Texto escrito e
pensando em conjunto entre a Mestranda do PPGP, Psicóloga Ana Flavia de Souza e a
acadêmica de Psicologia da UFSM, aluna de Iniciação Científica, Luize Carvalho.
Ambas integram o Núcleo VIDAS.
Você já se deparou olhando-se no espelho? Quem você está vendo? O que está vendo? Você gosta dessa imagem?
A imagem que temos de nós mesmas é algo importante na construção de quem somos, de como agimos conosco e com as demais pessoas na sociedade. Por que falar sobre isso é importante? Atualmente, estamos observando uma crescente “onda” de aderência a procedimentos estéticos visando a beleza, mas afinal, que beleza é essa? O espelho está lhe apresentando você ou um ideal de si?
Trazer à tona discussões nesse campo é algo difícil, uma vez que também estamos imersas nesse contexto, sendo mulheres e consumidoras de bens e serviços. Mas nos questionamos justamente por isso, por acreditarmos que talvez a “imagem” que está no espelho não esteja agradando muitas pessoas e para isso procuram meios para que essa “imagem” se adeque melhor ao seu ponto de vista (ou de outros). Será que isso é possível?
Os ideais de beleza fazem parte de discussões que não existem somente atualmente, Cleópatra não era símbolo de beleza e feminilidade? Se ela era símbolo isso se deve ao fato que isso já era discutido naquela época, ainda antes de Cristo. Mas e hoje, procede essa discussão? Por que precisamos conversar sobre isso se desde Cleópatra já se “enaltecia” a beleza e o corpo?
Sabemos que, sim, os ideais de beleza fazem parte de discussões que vêm sendo realizadas há algum tempo. No livro “O mito da beleza”, Naomi Wolf* discute questões atreladas à beleza e como essa particularidade afeta a vida e o viver de diferentes pessoas. Ao longo dos anos, tais “ideais” têm se modificado, colocando em cheque diferentes discussões, dentre elas observamos o enaltecimento do corpo magro, musculoso, pele lisa e clara, sem imperfeições, “de bebê”.
Mas o que fazer, como viver nesse “tempo” em que somos “bombardeadas”, por diferentes meios (redes sociais, mídia e meio social), por imagens e ideações de corpos perfeitos, onde não há imperfeições, marcas, onde o envelhecimento (um processo normal que todos irão passar), as marcas do envelhecimento são reparadas e corrigidas, tentando manter a “juventude” (que também faz parte do processo de envelhecer - criança, jovem, adulto, idoso…), os corpos são “alterados”. E aí nos questionamos, seriam só os corpos que estão passando por alterações ou partes mais subjetivas de cada ser estariam se modificando a cada procedimento, a cada alteração?
Cabe olhar também para o impacto que tais ideações têm causado nas relações com nossas próprias vivências. A superabundante exposição a modelos de como ser e de como estar acaba consolidando a beleza padrão não apenas como alvo, mas como exemplar de saúde. A representação da feiura como distúrbio ou doença vem, cada vez mais, levando ao medo e à resistência a fases naturais da vida: Abigail Brooks** atenta para o fato de que as cirurgias estéticas anti-envelhecimento vêm contribuindo para uma cultura de culpabilização da mulher por não manter sua feminilidade - e, consequentemente, seu valor social. Acontece, então, uma desnaturalização de processos naturais e universais***.
Numa sociedade onde apresentar uma beleza padrão é considerado responsabilidade - impelida principalmente às mulheres - e onde o lucro é foco, parece previsível que uma consequência fosse a comercialização dessas inseguranças geradas pelo próprio sistema, traduzida nas interferências estéticas. Cada vez mais vemos como esses procedimentos têm se expandido e diversificado, concomitantemente estreitando os modelos aceitos como atraentes. Traços normais ou mesmo imperceptíveis são transformados em sinônimos de descuido e, rapidamente, uma nova técnica ou produto entra no mercado a fim de resolver um atributo que antes era tão ínfimo.
Há algum tempo estamos nos questionando e levantando discussões (entre nós, no grupo, com amigas/os) sobre o quanto a facilidade de acesso (para algumas pessoas, visto que sendo uma “mercadoria” nem todos podem “ter acesso”) e a diversidade de procedimentos têm se acentuado, ou talvez ganhado maior visibilidade, modificando não só a imagem que as pessoas têm de si, mas também seus corpos e imaginários coletivos.
É claro que os procedimentos existentes hoje no “mercado da beleza” não são de todo ruim, pois podem ser utilizados para diferentes tratamentos, para realçar algumas características, por exemplo. Mas é isso mesmo que você leu, repetimos: REALÇAR! Nos questionamos se é realmente isso que ocorre, mas o que estamos vendo (falamos isso através de nossas percepções) é que muitas TRANSFORMAÇÕES, no sentido de modificações e não de realce, estão ocorrendo. Ironicamente, há uma tendência das pessoas ficarem “iguais”, tornarem-se um “modelito padrão”.
A que custo isso (não estamos nos referindo a questão monetária)? Para quê? O que há por trás disso?
A alguns dias uma profissional da área estética fez uma postagem que tratava sobre a “padronização” de imagens, de aparência (veja só, a mesma trabalha com procedimentos estéticos e mesmo assim estava fazendo uma crítica sobre isso, o que mostra a preocupação da profissional com quem à procura). Logo essa postagem chamou atenção e gerou mais questionamentos (sim, ainda mais), o que leva ou está levando as pessoas a procurarem essa padronização? Estamos “inventando” corpos iguais? Qual o propósito disso? O que irá diferenciar uma pessoa da outra, visto que questões subjetivas também se modificam conforme a imagem que temos de nós?!
Acreditamos que discussões relacionadas a padrões sociais são polêmicos, justamente por isso merecem atenção e que pensemos sobre isso a partir da psicologia social e no cotidiano comum. Não tivemos e temos a pretensão de dizer que os procedimentos e práticas que estão sendo realizados não o devem ser, mas que possamos pensar sobre tais práticas e até que ponto precisamos disso, até que ponto não estou sendo “influenciada” por postagens ou pessoas famosas, “idolatradas” por mim que estão “oferecendo” determinado produto. Assim, questionamos: como você está vendo a si mesma? Está sendo realista e tendo carinho consigo, com quem você é e com o que você vê? Você está vendo a si mesma em frente ao espelho?
Talvez você que leu esse texto possa não concordar com o que pontuamos até então, mas esperamos que nossos apontamentos tenham possibilitado que você crie seus próprios questionamentos sobre o tema, que possamos notar como “eventos” que parecem ser tão normais e naturalizados possam ser olhados por outros pontos de vista e ressignificados, possibilitando novas compreensões.
*WOLF, Naomi. O mito da beleza: Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rosa dos Tempos, 7ª ed., 2018.
**BROOKS, Abigail T. Aesthetic anti‐ageing surgery and technology: women’s friend or foe? Special Issue: Technogenarians: studying health and illness through an ageing, science, and technology lens, v. 32, n. 2, p. 238-257, 2010. https://doi.org/10.1111/j.1467-9566.2009.01224.x
***AGUIAR, Adriana de; CAMARGO, Brigido Vizeu. Envelhecimento e Prática de Rejuvenescimento: Estudo de Representações Sociais. Psicologia: Ciência e Profissão, v. 38, n. 3, p. 494-506, 2018. https://doi.org/10.1590/1982-37030004492017. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v38n3/1982-3703-pcp-38-3-0494.pdf
Ana Flavia de Souza
Luize Carvalho
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Obrigada. Por um mundo mais solidário!