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11 de Setembro

WORLD TRADE CENTER - Eu estavá lá...

 No dia 11 de setembro, eu estava indo para a Columbia University, onde eu era Visiting Scholar. Estava no Subway 9 quando o "conductor" anunciou que um avião tinha atingido a Torre do WTC. Todos se olharam incrédulos... alguns riram e eu também, pois pensei que era piada.
Mas quando ele anunciou o segundo avião, percebemos que algo estava errado. Será uma guerra? - eu pensei.
Logo que descemos do trem já havia muita agitação na universidade. Fomos levados para o auditório, onde o Dean deu alguns informes, no sentido de organizar voluntários estudantes de medicina para ir até downtown.  Os demais, assim como eu, ficaram imobilizados por lá mesmo, pois tudo estava parado; não havia como se deslocar e ninguém queria mesmo sair dali, pois não sabíamos o que estava acontecendo lá fora. As imagens do avião foram passadas no datashow.
Ninguém queria pipoca com guaraná, é claro, mas tudo parecia muito irreal.
Chegavam notícias desconexas...  pânico...
Eu estava preocupada com meu marido, que estava trabalhando no Brooklyn. Os telefones não funcionavam.
Quando consegui voltar para casa já eram umas cinco horas da tarde. Meu marido só conseguiu chegar em casa pelas 22 horas.

Depois do fato, as imagens se repetiam inúmeras vezes na televisão, sem se cansarem. Fascínio paralisante. As imagens televisivas da catástrofe preenchendo nossas mentes, desobrigando-nos a pensar sobre ela. A notícia vira uma exorcização dos demônios... deixa de ser novidade ao invés de indicar algo de fato novo.


Amanhã aconteceu


Que é notícia?

Um hoje que nunca é hoje,
um amanhã que é já ontem
entre ontens que se perdem
no anteontem dos anos
no tresantontem dos lustros...

Que é notícia?

Amanhã acontecido,
notícia é sempre um depois,
é um a viver vivido...

Que é notícia?

Notícia é devoração!
Aí vai ela pela goela
que há-de engolir tudo e todos!
Aí vai ela, lá foi ela!

Nem trabalho de moela
retém notícia...

Notícia sem coração!

Que é notícia?

Cão perdeu-se! Por que não?
Cão achou-se! Ainda bem!
Ainda melhor, por sinal,
se o cão perdido e o achado
forem um só e o mesmo
«lidos» no mesmo jornal!

Que é notícia?

Damos notícia um ao outro
do nosso interesse comum.
Fui Cavalheiro amanhã.
Ontem Senhora serás.
Como eu não há nenhum!...

Que é notícia?

Quando o primeiro tortulho
se abre no céu (silhueta
que em símbolo se tornará)
onde estou, estouvava eu?
Estava com a tia Henriqueta...

Que é notícia?

Fechada para balanço,
tia Queta dormitava.
Com a folhinha nos joelhos,
do tortulho, que treslera,
já em feto se engelhava...

Que é notícia?

Das convulsões deste mundo
dava meu pai a versão:
- Ailitla por toda a Europa...
O guarda-roupa, meu filho,
varia, a tragédia não...

Que é notícia?

O bom do velhote ia
na terceira dentição...

Que é notícia?

Alcatruz que se abalança
a tornar à sua água?
Já o de Éfeso sabia:
não se molha duas vezes
o lenço na mesma mágoa...

Que é notícia?

Notícia em primeira mão
na minha mão infantil:
o papagaio empinado
no claro céu da manhã,
meu jornal publicado
por cima de tanto afã...

Mas terá sido notícia?

Que é notícia?


Alexandre O'Neill
De Ombro na Ombreira (1969)
In Poesias Completas
Lisboa, Assírio & Alvim, 2000
 
 
Alexandre O’Neill nasceu em 1924, em Lisboa, cidade onde viveu e onde viria a falecer em 1986.
Participou na introdução do surrealismo em Portugal (em 1945 conhece Mário Cesariny e é um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa, em 1947). Embora esta referência seja fundamental para a compreensão de uma parte da sua poesia, O’Neill demarca-se deste movimento a partir da publicação de Tempo de Fantasmas, em 1951, o seu primeiro livro de poemas.
Entre outras actividades, O’Neill trabalhou durante um largo período da sua vida em publicidade. Poeta inconformista, na sua escrita mistura-se a ironia, o humor e a nota assumidamente lírica, a escapar para o irreal e para o sonho.
 


Recortes da Entrevista concedida a Zero Hora – 11 de setembro de 2011.

O que mudou na minha vida depois do 11 de setembro? - perguntou Rodrigo, o jornalista da Zero Hora.
Respondi:
A vida depois do 11 de setembro não mudou radicalmente, mas o acontecimento influenciou muito minha vida. Depois do “September 11”,  muitas pessoas, inclusive eu, pensaram: -“ Não queremos ódio, queremos paz. Vamos, então, continuar a construir paz”.
Ao invés de sentimentos de desesperança e de rancor, fortaleceu um sentimento um tanto utópico, do tipo “vale à pena viver, não vamos desistir, vamos ensinar às pessoas que a paz é possível, que precisamos conversar sobre o racismo e a xenofobia para que isso acabe de uma vez por todas”. No início, se debateu muito sobre isso, inclusive nas minhas aulas na Columbia University. Foram momentos muito tristes, mas positivos, pois nos aproximamos uns dos outros.
Por semanas, o cheiro de corpos queimados sobrevoava o ar, como se os "espíritos" quisessem nos lembrar constantemente que ali, naquela terra, uma catástrofe tinha acontecido e que algo precisava ser feito para que a Terra não explodisse em guerra. Estávamos dispostos a questionar o mundo, os governos...
Alguns meses depois, intencionalmente, eu estava grávida de minha filha Jessica. Alguns teóricos chegaram a cogitar a possibilidade de um amento na taxa de fecundidade (mas que nunca foi comprovada!) nos EUA logo após o atentado. Os bebês que foram feitos nesse período foram denominados de "Baby boom" pela imprensa.
Todavia, infelizmente, logo fomos esquecendo o diálogo. As formas de controle  (Polícia, FBI, etc.) tomaram um espaço muito maior que qualquer possibilidade de comunicação. A política econômica americana não era capaz de se repensar; só conseguia acusar e construir inimigos. O próprio Bush disse na TV: “Now that they declare war on us, we will lead the world in victory”. Eu anotei essa frase no meu diário... Inacreditável! Pois, ao invés dos políticos aproveitarem a catástrofe para repensarem sobre suas ações, suas políticas, usaram o atentado para fortalecer a necessidade de guerras. E o povo começou a “comprar” a ideia de que havia santos e demônios, e que bastaria destruir os muçulmanos para que tudo ficasse bem.
Essa estratégia anulou as possibilidades de diálogo e aumentou o medo dos que moravam em Nova Iorque. No trem, nos metrôs, nas ruas, crescia um sentimento de insegurança total. Cada pessoa parecia um suspeito em potencial. Cada ruído estranho poderia ser uma nova bomba. Foi terrível esse sentimento. Quase nos tornamos irracionais. E foi aí que, parece, paramos de dialogar.
Dez anos se passaram e eu continuo sentindo o cheiro do WTC em migalhas. Migalhas humanas tal qual a miséria que cobre o coração de quem pensa que a paz se constrói com mais guerras. Então, sim, a queda do WTC marcou minha vida. Há um antes e um depois WTC. Mas esse depois é iluminado pelo sorriso de minha filha. Olho para as fotos de meu álbum e penso: “Se minha filha é um baby boom, que seja um “boom” para lembrar que guerra é SEMPRE horrível e quem mais sofre em uma guerra são justamente as crianças – as únicas anjos nessa história toda”.


Comments

  1. adorei esse post. o blog tá incrível.
    beijos

    ReplyDelete
  2. Que legal que você gostou. Também fui no seu blog para conhecer um pouco mais de ti. Gostei do que vi lá.
    abç, adriane

    ReplyDelete

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Obrigada. Por um mundo mais solidário!

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