Lattes ou Latex? Qual estica mais???
Copiei aqui parte de um texto do Marcelo Spalding. Não conheço pessoalmente, mas gostei do que escreveu. Penso que deveríamos discutir sobre isso também nesse momento de mobilização. Bom, há professores que pensam que a mobilização é só pelo salário e que os alunos são apenas "cordeiros" [sic] e "bodes" [sic]. Mal sabem eles que a massa (real rebanho) são aqueles que não páram para fazer a crítica propositiva, aqueles que não páram para o diálogo. Pois mobilização é isso: disponibilidade para o diálogo.
Segue o texto do Marcelo
Quinta-feira, 5/3/2009Quanto custa rechear seu Currículo Lattes
Marcelo Spalding
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+ 20 Comentário(s)
Essa não é uma coluna sobre cultura, é sobre educação. Mas o que tem mais a ver com a cultura do que a educação?
Todo estudante universitário já ouviu falar do Currículo Lattes, todo aspirante a Mestre ou Doutor decerto já fez o seu e àqueles com pretensões acadêmicas é imprescindível atualizar seu Lattes pelo menos duas vezes por ano. (...).
(...). A novidade é que um bom Lattes tem preço.
Com o crescimento dos cursos de pós-graduação no Brasil e o amadurecimento da Plataforma Lattes, a corrida por "qualificação" tem sido grande, e a lógica quantitativa acaba incentivando a formação de um verdadeiro "mercado acadêmico". Já havia percebido isso ao me inscrever em um congresso, no meu caso o da ABRAPLIP, mas poderia ser de qualquer área e em qualquer lugar. Se você quer que seu trabalho seja apresentado, antes da inscrição deve enviar um resumo e aguardar o aceite. Elaborei o resumo, nas normas que exigiam, e o submeti. Em poucas semanas, um e-mail informa que o trabalho foi aprovado, e o ingênuo aqui fica feliz da vida: vai no site, preenche a ficha de inscrição, imprime o boleto, paga no banco a taxa de cento e poucos reais (há eventos de R$ 300,00, R$ 500,00, e por aí afora, especialmente se você for da área de Medicina ou Direito). No dia da minha apresentação no evento, a surpresa: havia cinco pessoas na sala: um professor e quatro apresentando trabalhos. Público para quê? Discussão para quê? Afinal, dali sairemos com um certificado (enviado por e-mail), um CD-ROM e um número a mais no Lattes!
(...)
Mas vamos além, afinal de contas, poucos dos que se aventuram em cursos de pós-graduação não teriam dinheiro para a inscrição de um evento desses. E a passagem? E o hotel? E férias, para quem não tem bolsa? Sim, porque se você tiver pretensão de dar aula na USP, na UFRJ ou na UFRGS, é bom sua vida acadêmica não ficar restrita a Cacimbinhas, é bom você ter ido aos eventos nacionais mais importantes da sua área, ter contatos, viajar. E não espere algum desconto especial para viagens acadêmicas por parte das companhias aéreas. Muito menos bolsas oferecidas pelos cursos de pós-graduação, a não ser em raríssimos ― e discutíveis ― casos. Afinal, sai caro um bom Lattes...
(...) Quero ir além. De uns tempos para cá, tem se tornado comum no Brasil pagar pela publicação de artigos! Sim, os artigos científicos, tão puros, tão imparciais, tão citados como referência do conhecimento pela mídia, pelos nossos professores, publicá-los também tem um preço, e bem salgado.
Ainda não havia me acontecido isso, mas uma amiga da área da Enfermagem ousou submeter seu artigo de conclusão de curso para a Revista Gaúcha de Enfermagem e, adivinhem, o artigo foi aceito para a publicação com uma condição: ela e as outras duas autoras do artigo deveriam ser assinantes da revista para essa publicação, e, claro, isso tem um custo: R$ 130,00. Cento e trinta! Fiquei pensando se já aconteceu de alguém enviar artigo e ele não ser aceito, afinal cenzinho é cenzinho...
Pensei em reclamar para a UFRGS que uma revista com seu logotipo fizesse esse tipo de coisa, mas a Universidade está em férias. Entrei em contato, então, com a Ouvidoria do Ministério da Ciência e Tecnologia, a fim de denunciar esse tipo de abuso num país e numa universidade que lutam pela inclusão acadêmica de negros e pobres. A resposta, conclusiva, me fez perceber que o Lattes realmente tem preço:
Prezado Marcelo,
A cobrança para publicação de artigos é prática frequente na área internacional, inclusive porque alguns periódicos científicos são bancados pelos próprios autores. A informação, pelos custos que envolve, resulta cara. No Brasil, esta prática ainda não está amplamente disseminada mas já é praticada, principalmente na área médica.
No caso específico, segundo sua informação, o pagamento não é propriamente pelo artigo, mas para que ela se torne sócia da revista. Sugerimos que consulte a política editorial do periódico, que deve estar impressa na própria revista ou no seu site. A política editorial informa quais são os critérios utilizados para seleção e publicação de artigos.
Nada obstante, caso ela não concorde com o critério, pode submeter seu artigo a outros periódicos que não exijam contrapartida financeira. Seguramente na sua área de especialização existem vários em todo o Brasil.
Atenciosamente,
Ouvidoria-Geral do MCT
Indignado, entrei em contato com minha orientadora de graduação, uma professora muito amiga, Doutora em Comunicação. E aí a professora me lembrou de que quando terminou seu Doutorado, recebeu pelo menos cinco cartas a parabenizando e a convidando a publicar seu belíssimo trabalho em livro. Mas, é claro, um livro acadêmico é sempre importante e, afinal, sai caro um bom Lattes. Caro quanto? Cinco mil reais.
Não posso concordar com essa lógica, e me surpreende que entidades como a UNE fiquem mais preocupadas com o preço da passagem de ônibus do que com esse tipo de descalabro. Não é novidade alguma que a seleção para os cursos de pós-graduação passam por critérios pessoais, políticos, nada objetivos, e no momento que se cria uma ferramenta para tornar a escolha um pouco mais democrática, admitiremos que essa ferramenta sirva para privilegiar os estudantes com mais poder aquisitivo? Sem demagogia, dessa forma algum pobre que entrou na universidade pelas cotas ou pelo Pró-Uni conseguirá ingressar em Mestrados e Doutorados a partir desse critério mercantilista?
Para mim, o caso é muito grave. São essas pessoas com Lattes recheados que irão lecionar nas universidades federais e particulares (e há aos borbotões), são elas que irão formar os futuros médicos, advogados, jornalistas, professores? E quais os valores que essa geração acadêmica tem a passar? O valor do "quanto mais, melhor", do "quem pode mais, chora menos"? E essa realidade, todos sabem, se reflete desde o Ensino Fundamental, onde as creches e escolas públicas são cada vez mais abandonadas e as particulares proliferam e profissionalizam-se. Mas aí já é assunto para outra crônica...
Se quiser ler na íntegra acesse http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=2749&titulo=Quanto_custa_rechear_seu_Curriculo_Lattes
Copiei aqui parte de um texto do Marcelo Spalding. Não conheço pessoalmente, mas gostei do que escreveu. Penso que deveríamos discutir sobre isso também nesse momento de mobilização. Bom, há professores que pensam que a mobilização é só pelo salário e que os alunos são apenas "cordeiros" [sic] e "bodes" [sic]. Mal sabem eles que a massa (real rebanho) são aqueles que não páram para fazer a crítica propositiva, aqueles que não páram para o diálogo. Pois mobilização é isso: disponibilidade para o diálogo.
Segue o texto do Marcelo
Quinta-feira, 5/3/2009Quanto custa rechear seu Currículo Lattes
Marcelo Spalding
+ 20 Comentário(s)
Essa não é uma coluna sobre cultura, é sobre educação. Mas o que tem mais a ver com a cultura do que a educação?
Todo estudante universitário já ouviu falar do Currículo Lattes, todo aspirante a Mestre ou Doutor decerto já fez o seu e àqueles com pretensões acadêmicas é imprescindível atualizar seu Lattes pelo menos duas vezes por ano. (...).
(...). A novidade é que um bom Lattes tem preço.
Com o crescimento dos cursos de pós-graduação no Brasil e o amadurecimento da Plataforma Lattes, a corrida por "qualificação" tem sido grande, e a lógica quantitativa acaba incentivando a formação de um verdadeiro "mercado acadêmico". Já havia percebido isso ao me inscrever em um congresso, no meu caso o da ABRAPLIP, mas poderia ser de qualquer área e em qualquer lugar. Se você quer que seu trabalho seja apresentado, antes da inscrição deve enviar um resumo e aguardar o aceite. Elaborei o resumo, nas normas que exigiam, e o submeti. Em poucas semanas, um e-mail informa que o trabalho foi aprovado, e o ingênuo aqui fica feliz da vida: vai no site, preenche a ficha de inscrição, imprime o boleto, paga no banco a taxa de cento e poucos reais (há eventos de R$ 300,00, R$ 500,00, e por aí afora, especialmente se você for da área de Medicina ou Direito). No dia da minha apresentação no evento, a surpresa: havia cinco pessoas na sala: um professor e quatro apresentando trabalhos. Público para quê? Discussão para quê? Afinal, dali sairemos com um certificado (enviado por e-mail), um CD-ROM e um número a mais no Lattes!
(...)
Mas vamos além, afinal de contas, poucos dos que se aventuram em cursos de pós-graduação não teriam dinheiro para a inscrição de um evento desses. E a passagem? E o hotel? E férias, para quem não tem bolsa? Sim, porque se você tiver pretensão de dar aula na USP, na UFRJ ou na UFRGS, é bom sua vida acadêmica não ficar restrita a Cacimbinhas, é bom você ter ido aos eventos nacionais mais importantes da sua área, ter contatos, viajar. E não espere algum desconto especial para viagens acadêmicas por parte das companhias aéreas. Muito menos bolsas oferecidas pelos cursos de pós-graduação, a não ser em raríssimos ― e discutíveis ― casos. Afinal, sai caro um bom Lattes...
(...) Quero ir além. De uns tempos para cá, tem se tornado comum no Brasil pagar pela publicação de artigos! Sim, os artigos científicos, tão puros, tão imparciais, tão citados como referência do conhecimento pela mídia, pelos nossos professores, publicá-los também tem um preço, e bem salgado.
Ainda não havia me acontecido isso, mas uma amiga da área da Enfermagem ousou submeter seu artigo de conclusão de curso para a Revista Gaúcha de Enfermagem e, adivinhem, o artigo foi aceito para a publicação com uma condição: ela e as outras duas autoras do artigo deveriam ser assinantes da revista para essa publicação, e, claro, isso tem um custo: R$ 130,00. Cento e trinta! Fiquei pensando se já aconteceu de alguém enviar artigo e ele não ser aceito, afinal cenzinho é cenzinho...
Pensei em reclamar para a UFRGS que uma revista com seu logotipo fizesse esse tipo de coisa, mas a Universidade está em férias. Entrei em contato, então, com a Ouvidoria do Ministério da Ciência e Tecnologia, a fim de denunciar esse tipo de abuso num país e numa universidade que lutam pela inclusão acadêmica de negros e pobres. A resposta, conclusiva, me fez perceber que o Lattes realmente tem preço:
Prezado Marcelo,
A cobrança para publicação de artigos é prática frequente na área internacional, inclusive porque alguns periódicos científicos são bancados pelos próprios autores. A informação, pelos custos que envolve, resulta cara. No Brasil, esta prática ainda não está amplamente disseminada mas já é praticada, principalmente na área médica.
No caso específico, segundo sua informação, o pagamento não é propriamente pelo artigo, mas para que ela se torne sócia da revista. Sugerimos que consulte a política editorial do periódico, que deve estar impressa na própria revista ou no seu site. A política editorial informa quais são os critérios utilizados para seleção e publicação de artigos.
Nada obstante, caso ela não concorde com o critério, pode submeter seu artigo a outros periódicos que não exijam contrapartida financeira. Seguramente na sua área de especialização existem vários em todo o Brasil.
Atenciosamente,
Ouvidoria-Geral do MCT
Indignado, entrei em contato com minha orientadora de graduação, uma professora muito amiga, Doutora em Comunicação. E aí a professora me lembrou de que quando terminou seu Doutorado, recebeu pelo menos cinco cartas a parabenizando e a convidando a publicar seu belíssimo trabalho em livro. Mas, é claro, um livro acadêmico é sempre importante e, afinal, sai caro um bom Lattes. Caro quanto? Cinco mil reais.
Não posso concordar com essa lógica, e me surpreende que entidades como a UNE fiquem mais preocupadas com o preço da passagem de ônibus do que com esse tipo de descalabro. Não é novidade alguma que a seleção para os cursos de pós-graduação passam por critérios pessoais, políticos, nada objetivos, e no momento que se cria uma ferramenta para tornar a escolha um pouco mais democrática, admitiremos que essa ferramenta sirva para privilegiar os estudantes com mais poder aquisitivo? Sem demagogia, dessa forma algum pobre que entrou na universidade pelas cotas ou pelo Pró-Uni conseguirá ingressar em Mestrados e Doutorados a partir desse critério mercantilista?
Para mim, o caso é muito grave. São essas pessoas com Lattes recheados que irão lecionar nas universidades federais e particulares (e há aos borbotões), são elas que irão formar os futuros médicos, advogados, jornalistas, professores? E quais os valores que essa geração acadêmica tem a passar? O valor do "quanto mais, melhor", do "quem pode mais, chora menos"? E essa realidade, todos sabem, se reflete desde o Ensino Fundamental, onde as creches e escolas públicas são cada vez mais abandonadas e as particulares proliferam e profissionalizam-se. Mas aí já é assunto para outra crônica...
Se quiser ler na íntegra acesse http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=2749&titulo=Quanto_custa_rechear_seu_Curriculo_Lattes
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Obrigada. Por um mundo mais solidário!