A Noiva da Lagoa
Todos que passavam por ali conheciam a lenda. Nunca tinha barco, embarcação, windsurf ali. Nem marreco e marreca d’água. Só vento. Um vento que soprava só por cima da lagoa, pois até ele tinha medo de colocar seu pé-de-vento no molhado. No fundo da lagoa, morava a Noiva. Maria Luísa era seu nome.
Maria Luísa foi morta pelo noivo Osório, um pescador muito ciumento, há cerca de 70 anos e teve o corpo jogado na lagoa. E desde então, dizem que ela assombra a lagoa.
Maria era linda, com longos cabelos loiros, olhos verdes e amendoados. Pele bronzeada pelo sol sulista. Não passava um pescador que não a cobiçasse de tão bela que era. Mas ela, serena e pura que era, nunca nem olhava pra nenhum dos moçoilos que viviam nos arredores. Ela estava noiva de Osório, o pescador mais astuto e promissor do vilarejo. O noivado tinha sido arranjado entre o pai de Maria e o pai de Osório, como era costume naquela época. Nem perguntaram à Maria se ela queria casar e se perguntassem, Maria não poderia confessar: - Seu amor verdadeiro era proibido. Amava seu primo Agasa.
Num dia de muito sol, Maria colocou seu mais belo e único vestido para ir visitar o primo Agasa, que estava de aniversário. Era novembro. Levou a ele um sonho frito, coberto de açúcar que o próprio Agasa tinha moído. Seu coração estava palpitando descompassado, tamanha sua alegria só de pensar no primo.
Osório, que morava na casa à frente, avistou Maria saindo pelo portão mais linda do que nunca.
- Maria, onde vai? - perguntou enciumado.
- Vou à cidade buscar açúcar para mamãe fazer puxa-puxa.
- E esse pacote, o que é? - indaga o noivo desconfiado.
- Uns sonhos para eu lanchar, respondeu Maria apressada, - mas volto logo, não se preocupe.
Maria deu-lhe um beijo na testa e saiu cantarolando.
Osório a seguiu discretamente,e Maria nem notou, de tão contente que estava por visitar o primo que tanto gostava.
Quando Maria chegou à casa de Agasa, entregou-lhe os sonhos e lhe deu um abraço cheio de amor.
Sentaram-se ao meio fio da calçada e puseram-se a comer os sonhos em meio a gargalhadas e faces lambuzadas. Os dois se amavam, mas sabiam que jamais poderiam se casar. Então, curtiam ficar juntos como a vida lhe permitia. Bons primos-amigos.
Osório, escondido atrás de um pé de butiá, e comendo uma banana, assistia a tudo se remoendo. Via a felicidade nos olhos de Maria e o desejo no corpo de Agasa..
Com o sol descendo, Maria pôs-se a caminhar para casa, despedindo-se com um abraço bem apertado em Agasa.
Já soprava um vento nordestão que fazia os lindos cabelos de Maria balançarem como uma canoa em alto mar. Agasa a viu desaparecer em meio a penumbra. O que não sabia era que jamais a veria de novo. Nem Maria.
Osório, seguindo-a de volta, alimentava pensamentos do mal:
- Essa mulher tem que ser só minha!
O Capeta cutucou seu ombro esquerdo e disse:
- Isso é simples, meu amigo.
- Como Sr. Diabo? - cochichou desconfiado Osório para aquela nuvem negra.
O Capeta que era esperto e gostava de produzir infelicidade, logo arquitetou sua ideia:
- Lá no meio da lagoa tem um redemoinho. No seu fundo há uma areia movediça que te puxa pra baixo. Se você levar Maria até lá, ela ficará presa na areia e só você, bom pescador que é, poderá chegar até ela. E Maria será só sua para sempre - terminou sua fala com uma risadinha falsa.
Osório, interessado na proposta do Demônio, quis alguma garantia:
- Mas ela não vai morrer?
- Não, que nada. No fundo da lagoa há uma linda cidade perdida, onde tem peixe todos os dias e mandioca abastança. E o melhor, não há homens nem pescadores para seduzi-la - pestanejou sarcasticamente o Ser-do-Outro-Lado.
Convencido que Maria seria só sua, Osório apressou o passo e chegou ao lado de Maria. Convidou-a para um passeio de canoa, dizendo que tinha uma surpresa romântica pra ela.
Maria aceitou o convite sem pensar em maldade. Não pensou que a maré estava alta, que o nordestão estava uivando mais que nunca, que já era noite, que seria perigoso andar de canoa aquela hora... Na verdade, seus pensamentos continuavam em Agasa.
Osório remou até o meio da lagoa apressado. Chegando perto do meio da lagoa, empurrou-a com toda sua força de pescador, como quem atira a rede, para dentro do olho do redemoinhoE disse:
- Você será minha pra sempre, Maria.
E sem culpa, voltou à sua casa.
Maria, apesar de saber nadar, não conseguiu se salvar. Abandonou esse mundo sem poder se despedir de Agasa.
Agora, toda noite de vento nordestão, Maria ressurge na lagoa, joga seus lindos cabelos sobre os carros que passam na freeway na esperança de encontrar seu primo Agasa e lhe dar um abraço eterno...
Por Adriane Roso
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Obrigada. Por um mundo mais solidário!