Como me tornei psicóloga?
Das profissões que me lembro desejar quando criança estão cantora, veterinária e bióloga... só lembro dessas duas, mas devo ter quisto ser outras coisas também.
Quando decidi fazer vestibular para a Psicologia nem sabia bem do que se tratava essa profissão. Isso foi numa época que a psicologia era pouco conhecida, pelo menos nos meus círculos de conhecimento e amizades. Queria mesmo fazer Física, pois sonhava em ser astronauta. Gostava da ideia de uma profissão que parecia muito difícil e que exigiria desbravar um campo. Mas daí não houve vestibular por falta de inscritos. Então, minha outra opção era fazer Medicina, pois gostava da ideia de ser psiquiatra. Nem sei bem por quê, mas gostava da ideia de ouvir as pessoas, tentar compreender por que agiam ou pensavam de determinada forma. Ai, me inscrevi no vestibular. Fiz em três lugares. Um na ufrgs, que marquei letra "A" em todas as questões. Não me pergunte por que, mas eu não estava nem ai e odiei a ufrgs no primeiro dia que entrei nela: suja, desorganizada, banheiros caindo aos pedaços. Nos meados dos anos 80. O outro foi na UCS e adotei o mesmo princípio. Queria terminar a prova logo e ir festiar com meu amigo Bernardo. Fala sério! E tentei na PUC, mas dai cheguei atrasada. Meio minuto. O cara fechou a porta na minha. Fui de moto com o Ulisses, ele acelerou o que pode, mas não deu. E contando agora toda essa jornada, já nem lembrava disso. Enfim, não era pra ser. Devia estar escrito nas estrelas que eu seria psicóloga.
Me inscrevi na Unisinos. Pertinho de casa, minha mãe não ia ter que gastar com moradia, alimentação. Faria durante um ano e aproveitaria as disciplinas para a Medicina depois.
Passei no vestibular. Fiquei sabendo por uma amiga, a Luciana Bianchesi. Estava andando de moto com o Ulisses e ela berrou: "Parabéns!" Perguntei por quê? Tu passou no vestibular. (E ela também passou na Psico). Nem liguei. Não parecia nenhuma vitória, nenhum mérito.
Minha mãe, à noite, me levou pra jantar num restaurante muito fino em São Leopoldo. Ela, meu irmão Andre e eu. O Ale não estava, já morava em Caxias. Me deu uma aliança de esmeralda de presente. Juntou tudo que podia pra me oferecer a janta e o anel. Eram épocas difíceis de dinheiro lá em casa. Pra ela, tudo aquilo significava muito e pra mim, não via muito significado, pois eu ia mesmo ser psiquiatra.
Então, começaram as aulas. E por sorte, tive aula com o Professor Veiga. No primeiro mês já tinha certeza que eu queria ser psicóloga e pensava: "Como que nunca me apresentaram a psicologia. Isso era tudo o que eu queria ser e não sabia".
Nunca mais tentei vestibular para Medicina. E hoje, olhando para trás, tenho certeza de que fiz a escolha que atendia meus desejos (inconscientes) profissionais. Sou feliz em ser psicóloga.
E até acho que tenho jeito de psicóloga, pois atraio histórias de pessoas. Uma psicóloga, como eu entendo, é uma ouvidora de histórias que sabe construir a partir das falas das pessoas perguntas que elas mesmas deveriam se fazer e não conseguem ou não querem, perguntas que tocam bem lá no fundo (naquilo que muitas vezes nem imaginamos que faz parte de nós). Trabalhamos com aquilo que é da ordem do simbólico, representacional, que não agarramos ou tocamos com as mãos - os sentimentos. São justamente os sentimentos que produzem nosso cotidiano e modos de viver (comportamentos, atitudes, pensamentos, etc.)
Mas, afinal, o que é ser psicóloga?
Pergunta difícil. Sem uma resposta única, linear, pois embora haja uma única Psicologia como profissão, há diferentes modos de a definir e agir nesse campo. Por isso, costumo dizer que não há uma psicologia, mas muitas, tantas quantas forem as concepções de mundo, de pessoas. Por isso, tantas teorias em psicologia (psicanálise, cognitivo-comportamental, gestalt, etc.)
Como são muitas as visões de mundo, modos de pensar e sentir, diversos serão o fazer em psicologia.
Uma psicóloga se enreda nas histórias de vida das pessoas, mas não ao ponto de se emaranhar nelas, de se confundir com elas. Uma psicóloga escuta. Só isso??? Nos dias de hoje, cada vez mais estamos nos fechando para o Outro. Medo, pressa... A escuta na psicologia não é só sentar e ficar ouvindo a outra pessoa, pois isso qualquer um pode fazer. A escuta na psicologia deve envolver um desejo de que o outro a sua frente consiga encontrar caminhos para viver bem consigo mesmo e com as outras pessoas (essa parte é fundamental, COM AS OUTRAS PESSOA TAMBÉM E A PESSOA TODA, INTEGRAL, diria o Pedrinho Guareschi). A psicóloga vai colocando "pulgas atrás da orelha" da pessoa... será que é assim mesmo? É isso mesmo que você quer? Por que você deseja isso? Qual tua responsabilidade na tua própria vida? Qual teu compromisso com o mundo?
Não, a gente não dá resposta. Mas não deve ficar muda, como uma estátua na frente da pessoa. Não é isso. Ela põe alguns temperos (e tira outros) nas falas das pessoas para que elas olhem pra dentro de si e para seus arredores também. Ela vive, sofre, ama. Precisa ser uma amante de vida e de pessoa acima de tudo. Aquele estereótipo de psicóloga com cara de porta, que não sorri, que não se importa com você, pelo amor de Deus - essa psicóloga não se sustenta (ou melhor, não a sustente), pois é uma espantadora de pessoas, mantém as pessoas doentes, como num cativeiro. Se encontrar uma, fuja dela.
Uma psicóloga abre espaços para que as pessoas possam compartilhar suas experiências de vida, suas problemáticas existenciais, suas dificuldades, seus amores diversos, seus desejos, sem julgamentos. Essa parte é a mais difícil. Possibilitar que a pessoa se abra e potencializar sua capacidade de enfrentamento da situação. O que você pode fazer para ser diferente? O que consegue? O que quer pra si mesmo? O que espera do outro? Que sociedade quer pra viver? Junto com esses questionamentos, a psicóloga sinaliza caminhos para se alcançar a compreensão de que o outro não pode lhe oferecer mais do que ele é capaz de dar, mas você pode ser capaz de abrir brechas, alternativas no seu modo de encarar a vida.
As respostas, na maioria das vezes, não são fáceis de se construir. E não a construímos sozinha. Vamos a fundo na conversa, no diálogo. As respostas estão no início de nossas vidas, nas relações com nossos cuidadores iniciais. Estão no meio e no agora também.
Olhar cuidadosamente pra tudo isso dói, pois ao olharmos vamos nos dando conta do por que de nossas mágoas, nossas feridas e, pior, repetimos nas nossas relações atuais atos muito semelhantes (com outra roupagem, às vezes) com aqueles que nos causaram sofrimento. É justamente ai que uma psicóloga pode trabalhar, para que você não caminhe sozinha na busca de suas respostas. Por isso, o tempo da psicologia é um tempo não cronológico, não tem a ver com horário, com dias, semanas, meses. É o tempo de cada um, pois somos todos singulares. Por isso também as muitas psicologias que falei antes.
Hoje, dia 27 de agosto, dia da psicóloga. E estou muito feliz por ter podido fazer essa escolha.
Obrigada a todos que um dia compartilharam um pedaço de si comigo e que me ensinaram que ser psicóloga é importante e é muito gratificante!
Das profissões que me lembro desejar quando criança estão cantora, veterinária e bióloga... só lembro dessas duas, mas devo ter quisto ser outras coisas também.
Quando decidi fazer vestibular para a Psicologia nem sabia bem do que se tratava essa profissão. Isso foi numa época que a psicologia era pouco conhecida, pelo menos nos meus círculos de conhecimento e amizades. Queria mesmo fazer Física, pois sonhava em ser astronauta. Gostava da ideia de uma profissão que parecia muito difícil e que exigiria desbravar um campo. Mas daí não houve vestibular por falta de inscritos. Então, minha outra opção era fazer Medicina, pois gostava da ideia de ser psiquiatra. Nem sei bem por quê, mas gostava da ideia de ouvir as pessoas, tentar compreender por que agiam ou pensavam de determinada forma. Ai, me inscrevi no vestibular. Fiz em três lugares. Um na ufrgs, que marquei letra "A" em todas as questões. Não me pergunte por que, mas eu não estava nem ai e odiei a ufrgs no primeiro dia que entrei nela: suja, desorganizada, banheiros caindo aos pedaços. Nos meados dos anos 80. O outro foi na UCS e adotei o mesmo princípio. Queria terminar a prova logo e ir festiar com meu amigo Bernardo. Fala sério! E tentei na PUC, mas dai cheguei atrasada. Meio minuto. O cara fechou a porta na minha. Fui de moto com o Ulisses, ele acelerou o que pode, mas não deu. E contando agora toda essa jornada, já nem lembrava disso. Enfim, não era pra ser. Devia estar escrito nas estrelas que eu seria psicóloga.
Me inscrevi na Unisinos. Pertinho de casa, minha mãe não ia ter que gastar com moradia, alimentação. Faria durante um ano e aproveitaria as disciplinas para a Medicina depois.
Passei no vestibular. Fiquei sabendo por uma amiga, a Luciana Bianchesi. Estava andando de moto com o Ulisses e ela berrou: "Parabéns!" Perguntei por quê? Tu passou no vestibular. (E ela também passou na Psico). Nem liguei. Não parecia nenhuma vitória, nenhum mérito.
Minha mãe, à noite, me levou pra jantar num restaurante muito fino em São Leopoldo. Ela, meu irmão Andre e eu. O Ale não estava, já morava em Caxias. Me deu uma aliança de esmeralda de presente. Juntou tudo que podia pra me oferecer a janta e o anel. Eram épocas difíceis de dinheiro lá em casa. Pra ela, tudo aquilo significava muito e pra mim, não via muito significado, pois eu ia mesmo ser psiquiatra.
Então, começaram as aulas. E por sorte, tive aula com o Professor Veiga. No primeiro mês já tinha certeza que eu queria ser psicóloga e pensava: "Como que nunca me apresentaram a psicologia. Isso era tudo o que eu queria ser e não sabia".
Nunca mais tentei vestibular para Medicina. E hoje, olhando para trás, tenho certeza de que fiz a escolha que atendia meus desejos (inconscientes) profissionais. Sou feliz em ser psicóloga.
E até acho que tenho jeito de psicóloga, pois atraio histórias de pessoas. Uma psicóloga, como eu entendo, é uma ouvidora de histórias que sabe construir a partir das falas das pessoas perguntas que elas mesmas deveriam se fazer e não conseguem ou não querem, perguntas que tocam bem lá no fundo (naquilo que muitas vezes nem imaginamos que faz parte de nós). Trabalhamos com aquilo que é da ordem do simbólico, representacional, que não agarramos ou tocamos com as mãos - os sentimentos. São justamente os sentimentos que produzem nosso cotidiano e modos de viver (comportamentos, atitudes, pensamentos, etc.)
Mas, afinal, o que é ser psicóloga?
Pergunta difícil. Sem uma resposta única, linear, pois embora haja uma única Psicologia como profissão, há diferentes modos de a definir e agir nesse campo. Por isso, costumo dizer que não há uma psicologia, mas muitas, tantas quantas forem as concepções de mundo, de pessoas. Por isso, tantas teorias em psicologia (psicanálise, cognitivo-comportamental, gestalt, etc.)
Como são muitas as visões de mundo, modos de pensar e sentir, diversos serão o fazer em psicologia.
Uma psicóloga se enreda nas histórias de vida das pessoas, mas não ao ponto de se emaranhar nelas, de se confundir com elas. Uma psicóloga escuta. Só isso??? Nos dias de hoje, cada vez mais estamos nos fechando para o Outro. Medo, pressa... A escuta na psicologia não é só sentar e ficar ouvindo a outra pessoa, pois isso qualquer um pode fazer. A escuta na psicologia deve envolver um desejo de que o outro a sua frente consiga encontrar caminhos para viver bem consigo mesmo e com as outras pessoas (essa parte é fundamental, COM AS OUTRAS PESSOA TAMBÉM E A PESSOA TODA, INTEGRAL, diria o Pedrinho Guareschi). A psicóloga vai colocando "pulgas atrás da orelha" da pessoa... será que é assim mesmo? É isso mesmo que você quer? Por que você deseja isso? Qual tua responsabilidade na tua própria vida? Qual teu compromisso com o mundo?
Não, a gente não dá resposta. Mas não deve ficar muda, como uma estátua na frente da pessoa. Não é isso. Ela põe alguns temperos (e tira outros) nas falas das pessoas para que elas olhem pra dentro de si e para seus arredores também. Ela vive, sofre, ama. Precisa ser uma amante de vida e de pessoa acima de tudo. Aquele estereótipo de psicóloga com cara de porta, que não sorri, que não se importa com você, pelo amor de Deus - essa psicóloga não se sustenta (ou melhor, não a sustente), pois é uma espantadora de pessoas, mantém as pessoas doentes, como num cativeiro. Se encontrar uma, fuja dela.
Uma psicóloga abre espaços para que as pessoas possam compartilhar suas experiências de vida, suas problemáticas existenciais, suas dificuldades, seus amores diversos, seus desejos, sem julgamentos. Essa parte é a mais difícil. Possibilitar que a pessoa se abra e potencializar sua capacidade de enfrentamento da situação. O que você pode fazer para ser diferente? O que consegue? O que quer pra si mesmo? O que espera do outro? Que sociedade quer pra viver? Junto com esses questionamentos, a psicóloga sinaliza caminhos para se alcançar a compreensão de que o outro não pode lhe oferecer mais do que ele é capaz de dar, mas você pode ser capaz de abrir brechas, alternativas no seu modo de encarar a vida.
As respostas, na maioria das vezes, não são fáceis de se construir. E não a construímos sozinha. Vamos a fundo na conversa, no diálogo. As respostas estão no início de nossas vidas, nas relações com nossos cuidadores iniciais. Estão no meio e no agora também.
Olhar cuidadosamente pra tudo isso dói, pois ao olharmos vamos nos dando conta do por que de nossas mágoas, nossas feridas e, pior, repetimos nas nossas relações atuais atos muito semelhantes (com outra roupagem, às vezes) com aqueles que nos causaram sofrimento. É justamente ai que uma psicóloga pode trabalhar, para que você não caminhe sozinha na busca de suas respostas. Por isso, o tempo da psicologia é um tempo não cronológico, não tem a ver com horário, com dias, semanas, meses. É o tempo de cada um, pois somos todos singulares. Por isso também as muitas psicologias que falei antes.
Hoje, dia 27 de agosto, dia da psicóloga. E estou muito feliz por ter podido fazer essa escolha.
Obrigada a todos que um dia compartilharam um pedaço de si comigo e que me ensinaram que ser psicóloga é importante e é muito gratificante!
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Obrigada. Por um mundo mais solidário!