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Ser professora - por mais Paulo Freire

Às vezes me pergunto se devo continuar sendo professora, se não seria melhor mudar de rumo, fazer outra profissão, voltar a ser "simplesmente" psicóloga...
Por que alguém começa a ser professora, senão com o sonho de que vai conseguir plantar sementes de mudança? Fazer algo para que se produza um mundo melhor, uma sociedade mais justa?
E por que parece que o tempo passa e fica mais difícil? Não seria ao contrário, quanto mais experiência você ganha na profissão mais fácil de exercê-la? Talvez isso valha para todas as outras profissões, mas não para a docência.
Se você dá aula expositiva é uma chata, se usa o diálogo, a invenção, formas alternativas que estimulem o pensar você é uma hippie, socialista ou uma comunista.
Me entristeceu ver aquela faixa que dizia "Basta de Paulo Freire". E hj fiquei mais triste ainda em descobrir que existe um movimento anti-Paulo Freire, que prega a volta da educação tradicional.
Não descobri exatamente o que eles querem dizer com "educação tradicional", mas minha imaginação correu livre, até o uso da palmatória à glorificação das decorebas, que de nada servem a não ser para fortificar a educação bancária.
Ah, deve ser isso: que volte "a educação tradicional "  significa o mesmo "que volte a bancária".
Em tempos de um neoliberalismo intensificado, de bancadas fundamentalistas e direitas extremistas, nada disso surpreeende. Entristece e dá certo pavor, confesso.
Pavor por que há indicativo de greve e não vejo minha categoria, no meu departamento, sequer se reunir para discutir isso. Sim, muitas reuniões no departamento para discutir infraestrutura, horário de disciplinas, etc. Mas nada para conversar sobre a situação do magistério superior, sobre as ontologias e epistemologias que sustentam a construção da ciência e dos discursos docentes.
Hoje me perguntaram se eu iria aderir a greve. Uma pergunta que ficou dentro de mim e que não saia resposta. Lembrei da greve passada... eu, apenas eu, indo nas assembléias e dai só eu aderindo. Colegas meu falando, "eu ganho bem, pra que vou fazer greve" ou "greve não funciona" ou "bem capaz que vou perder minhas férias depois". A Perrone não estava nessa época, pois acho que ela teria aderido...
Nem uma parada para refletir precarização das condições de trabalho, o movimento pró-tercerizão, os cortes nos financiamentos, enfim, a "bancarização" do ensino. Mas se "basta de Paulo Freire", nada disso tem sentido, não é mesmo?
Tempos sombrios estão por vir... mas não vou desistir assim tão fácil de minhas utopias. Sabe, ainda ser professora pra mim é isso: ter esperança de que uma pergunta que eu faça possa desacomodar um estudante desse lugar que ele ocupa. Fico pensando que talvez ele se toque que sentar em fila e olhar o pescoço do colega não tem a mesma vibração, intensidade, afeto que poder olhar no olho do colega, do professor.... fico pensando que logo um aqui, outro acolá, vai se tocar que só se aprende no reconhecimento da alteridade e, por isso, a dialogicidade é que abre frestas para a invenção de mundo onde haja valorização dos saberes diversos-divergentes.
Quando há medo, a pessoa foge, vira as costas, te deixa falando sozinho - não há diálogo. E não há diálogo porque há medo. Medo de se expor, de se importar com o outro, de se deixar tocar. Um ciclo. Difícil de romper...

Mas ser professora é isso também. É pensar em desistir, mas não desistir... e ai você recebe um simples abraço, ou uma simples companhia no almoço e percebe que não é mais possível desistir de verdade. A docência não é o que nos fascina; é o estudante. Ele - com todas suas contradições, alegações, desculpas, descontentamentos, birras, preguiça, perseverança, alegria, dúvida - que faz com que haja uma brilho no horizonte que te faz desejar uma "pedagogia da esperança". Por isso "não basta de Paulo Freire", o dia que bastar é por que estaremos todos mortos.




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