Escrevendo na Pós-Graduação: "escritivas' nas ciências?
Adriane Roso
Escrever é um modo de expressão. Escrever é uma
experiência única da humanidade. Desde pequen*s somos ensinado a nos expressar
pela grafia. Começamos pelas garatujas, depois desenho, até que, então,
aprendemos a escrita.
Mas para que escrevemos? Para quem escrevemos? Como
escrevemos? Estas são questões importantes quando passamos a escrever no
universo da Ciência. Será possível escrever com criatividade, inventividade na
Ciência? Há como se contrapor à Ciência Moderna, predominantemente positivista,
que prega a neutralidade do pesquisador/escritor?
Acredito que sim: é possível fazer uma
"escritiva" - uma escrita criativa e, ainda ser, ser objetiva, clara
e científica. A escritiva é sempre um ato de protesto, sempre traz uma crítica
do mundo, às vezes não tão aparentes. É, por tanto, um modo de singularizar-se
num mundo tão padronizado.
A universidade pode ser um espaço-potência para o
exercício da escritiva. Como abrir a academia para isso? Podemos começar
ESCREVENDO! Solicitei às mestrandas que contassem a história do seu processo de
escrever, afinal " escrever é
basicamente contar histórias", como bem salientou Moacyr Scliar (1995).
Eis que seguem algumas histórias bem
interessantes de serem compartilhadas....
Sobre acreditar nas letras
Letícia Dalla Costa*
Não nascemos escritoras, nos tornamos. Este pequeno
texto é sobre meu processo de familiarização com a escrita. Desde a infância, a
escrita em minha vida é permeada por afeto. Nas minhas primeiras lembranças,
existem cenas onde meus irmãos brincam comigo de escrever letrinhas.
O que começou como afeto entre a família, foi
tornando-se passaporte para a vida social. Pouco mais tarde, na escola, o
processo de aprendizagem que envolvia a escrita era muito importante para compreender
novos conteúdos, desvendar textos e me comunicar. A comunicação que envolve a
escrita sempre foi algo precioso para mim, pois é um tempo único, tempo onde,
muitas vezes, é possível apagar, repensar, recriar, ressignificar, elementos
distantes quando nos comunicamos pessoalmente. As matérias como português e
literatura estivam, durante o ensino médio, entre minhas favoritas, pois me
debruçar sobre as palavras e buscar compreender os processos que envolvem a
comunicação humana sempre me instigou.
Mas foi durante a faculdade que tive uma aproximação
mais séria com a escrita. Porque apesar de todo o afeto envolvido desde então,
foi com a graduação e, mais especificamente, escrevendo trabalhos para
congressos, que percebi a dimensão séria e responsável de escrever. Nossa
relação amadureceu, pois percebi o potencial transformador que tem o ato de
escrever quando embasado teoricamente e transmitido a outros públicos. Foi
nesse momento, também, que percebi que escrever não é só diversão ou
inspiração. Como em qualquer relacionamento, é necessário estar focado e
esforçado nos momentos em que parece mais interessante fazer qualquer outra
coisa do que honrar o compromisso com as letras.
Mas para que o relacionamento se eternize, ele exige
comprometimento. E essa entrega só é possível se na escrita vemos motivos para
seguir: acredito que as palavras sinceras e éticas podem nos levar onde
quisermos ir. E é por isso que insisto em escrever. Ora cansada, ora sem
criatividade. Mas persistindo, porque para as palavras continuarem sendo
passaporte, é preciso investimento.
Sobre a história do meu processo de aprender a escrever
Vanessa Soares de Castro**
Aprender a escrever, para mim, foi e está sendo um
processo bastante difícil. Buscando traçar o percurso da minha trajetória na
escrita, recordo que, quando adolescente, eu costumava me expressar através do
desenho. Ao desenhar, cada traço no papel tinha um significado muito específico
para mim, e apenas para mim. Tinha muita vergonha de tentar me expressar pela
palavra escrita. Temia que, ao escrever, iria possibilitar que outros tivessem
acesso aos sentimentos, pensamentos e angústias, que estavam tão vagos no
desenho, mas que quando escritos, seriam revelados. Por não conseguir e
nem tentar traduzir os desenhos em palavras, foi apenas na graduação que passei
a encarar a escrita como desafio e como habilidade a ser aprimorada.
A primeira dificuldade da escrita, então, surgiu no
momento em que precisei produzir um texto que fosse compreensível para um
leitor que não sabe de onde e nem como o texto surgiu, ou onde ele vai chegar.
Compreender isso foi um processo lento. Precisava sair da “escrita
egocêntrica”, tornar as ideias e pensamentos mais claros, acessíveis. Foi
necessário pensar que há sempre um leitor para quem se deve escrever. Algumas
dicas simples de colegas próximas me ajudaram nesse sentido - como, por
exemplo, o fato de que preciso ler e reler o que escrevi, o que parece tão
óbvio agora.
O processo de construir uma escrita acessível, me fez
ver que, em geral, tenho dificuldades em ser direta. Como muitas vezes percebo
a necessidade de introduzir o leitor a toda uma gama de informações, antes de
tocar no tópico principal a ser tratado, é preciso que eu organize esta
introdução, o que não é tarefa fácil. Muitas vezes, me debato para traçar um
caminho que leve, de fato, para onde pretendo chegar com o texto que está sendo
construído.
Neste ponto, há outra questão que dificulta a prática
da escrita: onde exatamente quero chegar com o que estou escrevendo? O que
pretendo que o leitor conclua do que vai ler? As respostas para estas perguntas
eu tento construir ao longo do processo de escrita, para que sirvam como guias
de todo o percurso. Ao escrever, ler e reler o que foi escrito, e fazer a
comparação disto com o que eu pretendia escrever, aos poucos me esforço para
chegar o mais próximo quanto possível da ideia geral que do que busco
desenvolver. E busco fazer isso de forma fluída, fazendo com que o encadeamento
das ideias no texto seja natural, possibilitando ao leitor perceber algo como
uma “linha” que o guie ao longo do texto.
Por mais que escrever seja um processo lento,
desafiador e às vezes confuso para mim, escrever sobre esse processo está sendo
revelador, servindo para organizar algumas ideias que até o momento estavam
muito difusas. Posso afirmar que este não será um trajeto fácil, porém tenho
muitas expectativas sobre os frutos que posso vir a colher dele.
A escrita e a possibilidade de ser expressão
A escrita e a possibilidade de ser expressão
Karolina Kuhn Wurdig***
Acredito que o processo da escrita na minha vida, está
intimamente vinculada com a da leitura. Desde muito pequena observava como
minha mãe adorava ler, lia ferozmente, por vezes, conciliava dois a três livros
ao mesmo tempo. Percebi a leitura como algo agradável mais na adolescência,
como se fosse um espaço de fuga, onde eu poderia me desligar e vivenciar de
certa forma, esse mundo da fantasia e da imaginação. Conforme lia, percebia que
eu também poderia registrar, escrever, me expressar e quem sabe criar esse
outro mundo. Uma das primeiras experiências que tive na escrita foi através dos
diários que eu tinha, onde eu rabiscava coisas do meu dia, refletia como
gostaria que algumas coisas mudassem, o que faria quando terminasse o ensino
médio, angústias na maioria das vezes. O diário foi uma forma de expressão que
encontrei pra fugir um pouco da rigidez da minha casa. Essa expressão era
barrada algumas vezes, por questões religiosas que estavam enraizadas na forma
como a minha família se estruturava e também a forma como deveríamos nos
enquadrar. Não estou dizendo que não poderia me expressar, conversar, só trago
que tantas outras coisas que poderiam ser expressão em discurso, foram feitas
pela escrita. Até hoje sinto que me expresso muito melhor pela escrita, do que
pela fala, será porque? Conforme saí de casa, morei sozinha, iniciei a
faculdade, a escrita continuou sendo um espaço tanto de expressão como de
elaboração sobre as minhas experiências. Através da leitura aprendi que poderia
criar e reinventar. Com a escrita vi a possibilidade de problematizar e de ser
resistência através das palavras. A verdade também é que com o decorrer do meu
percurso a escrita foi como aprendi a ser, a dar voz a aquilo que parecia não
ter espaço no discurso.
Processo de
iniciar a escrita
Tainara Oliveira Andreeti****
Conforme
as experiências foram surgindo no percurso da graduação, a necessidade de não
só vivenciar o momento, mas escrever e compartilhar sobre esta experiência
acabou se tornando algo necessário. Lembro-me de ter muitas dificuldades em
iniciar a escrita, dificuldades que confesso ter ainda. Mas para conseguir
fazer com que esta escrita fizesse sentido, não apenas pela questão de
avaliações na graduação, mas como parte de um percurso que precisa estar registrado,
compartilhado, algo que deixasse evidenciado que nossas experiências nos dão
oportunidades muito além de apenas produtividade foi preciso um grande esforço.
Então
tentando vencer as dificuldades entra a produção que acaba tornando tudo um
protocolo, uma exigência, tirando o toque suave da vivência, colocando normas,
cobranças de páginas, referenciais teóricos que comprove o que está escrito, o
cuidado com o plágio que muitas vezes nos ajuda a pensar, mas porque não citou,
direta ou indiretamente, e assim tudo que sentimos e colocamos muitas vezes
parece não fazer mais parte daquilo que realmente pensamos, porque temos que
comprovar na maioria das vezes nossa ideia, mas porque comprovar? Não posso
pensar assim? Não, pois tudo que é produzido vai ser avaliado e precisa
geralmente estar comprovado.
Por
meio de todo esse sentimento passamos a nos adaptarmos com a produção de
escrita, produção na qual deixamos de pensar uma escrita crítica e reflexiva, e
passamos a comentar o que o autor nos diz sobre um tema que vivemos, como
assim? Como assim sim, pois estamos produzindo. Para as instituições de ensino
o que importa geralmente é a quantidade de produção, portanto, não querem que
você escreva algo que talvez corra o risco de não ser aceito, seja pela revista
ou pelo avento. Nossa escrita então vira uma produção da produção.
Iniciar
então um novo movimento de escrita que não seja apenas produção, e começar a
entender realmente a prática de escrita requerem muitas vezes tempo e
investimento, portanto iniciei pelo mesmo movimento da leitura, tudo uma
questão de hábito e costume. Desencadear essa tarefa nada mais é que falar em
letras escritas ao invés de palavras ditas verbalmente, ou seja, contar nossas
experiências seja ela vivida cotidianamente, ou experiências de ler um livro,
refletir e criticar esse livro pode ser um bom começo. E por meio deste
movimento que parte realmente a compreensão da escrita. Pois como dizia um
professor que me fez construir este hábito, falar apenas não basta, precisa
estar escrito para que possa ser compartilhado, pois seria muito egoísmo
vivenciar coisas tão boas sozinha.
As
dificuldades de escrita frequentemente vem mascarada pelo cansaço ou preguiça,
pois se conseguimos falar verbalmente, podemos escrever também aquilo que
vivemos, pensamos, gostamos ou não gostamos, enfim escrever o que achamos
importante para deixar registrado, claro que dificilmente conseguiremos atingir
a agilidade da fala na escrita, mas podemos iniciar a partir de pequenos
parágrafos, sem ter medo do português, pois isso pode ser corrigido, o que não
podemos corrigir é o que não tentamos escrever. Não ficar com medo do que os
outros possam pensar das nossas escritas, ou seja, a falta de coragem de
arriscar-se na escrita, pode se tornar a maior dificuldade do processo de
escrever.
Para Finalizar Esta Escritiva
Espero que essas histórias disparem
"escritivas". Quem sabe você se anima a compartilhar conosco aqui no
Blog também a sua história. Mas lembre: “o ato de escrever é uma sequela do ato
de ler. É preciso captar com os olhos as imagens das letras, guardá-las no
reservatório que temos em nossa mente e utilizá-las para compor as nossas
próprias palavras” (SCLIAR, 1995). Fica aí o convite para continuar lendo as
escritivas de nosso Blog e tantos outros livros fantásticos que você pode
encontrar aqui e em outros espaços.
REFERÊNCIAS
SCLIAR, M. Vinte e uma coisas que aprendi como
escritor.Blau – Jornal bimestral de literatura, Porto Alegre, n. 5,
agosto de 1995.
* Psicóloga.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Integrante do grupo de
Pesquisa "Saúde, Minorias Sociais e Comunicação".
** Psicóloga do Instituto
Federal Farroupilha - Campus Itapirubá. Mestranda do Programa de Pós-Graduação
em Psicologia. Integrante do grupo de Pesquisa "Saúde, Minorias Sociais e
Comunicação".
**** Psicóloga. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Integrante do grupo de Pesquisa "Saúde, Minorias Sociais e Comunicação".
**** Psicóloga. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Integrante do grupo de Pesquisa "Saúde, Minorias Sociais e Comunicação".
**** Psicóloga. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Integrante do grupo de Pesquisa "Saúde, Minorias Sociais e Comunicação".
**** Psicóloga. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Integrante do grupo de Pesquisa "Saúde, Minorias Sociais e Comunicação".
Sugestão de Citação [Para citar essa postagem ou parte dela]:
ROSO, A. Escrevendo na Pós-Graduação: “escritivas” nas ciências? [Internet]. Santa Maria: Blog PsicologiaSocialBrasileira, 17 de Março, 2017. [aproximadamente 1 tela]. Disponível em: http://psicologiasocialbrasileira.blogspot.com.br/2017/03/escrevendo-na-pos-graduacao.html
DELLA COSTA, L. Sobre acreditar nas letras. In ROSO, A. Escrevendo na Pós-Graduação: “escritivas” nas ciências? [Internet]. Santa Maria: Blog PsicologiaSocialBrasileira, 17 de Março, 2017. [aproximadamente 1 tela]. Disponível em: http://psicologiasocialbrasileira.blogspot.com.br/2017/03/escrevendo-na-pos-graduacao.html
CASTRO, V. S. de. Sobre a história do meu processo de aprender a escrever. In ROSO, A. Escrevendo na Pós-Graduação: “escritivas” nas ciências? [Internet]. Santa Maria: Blog PsicologiaSocialBrasileira, 17 de Março, 2017. [aproximadamente 1 tela]. Disponível em: http://psicologiasocialbrasileira.blogspot.com.br/2017/03/escrevendo-na-pos-graduacao.html
WURDIG, K. K. A escrita e a possibilidade de ser expressão. In ROSO, A. Escrevendo na Pós-Graduação: “escritivas” nas ciências? [Internet]. Santa Maria: Blog PsicologiaSocialBrasileira, 17 de Março, 2017. [aproximadamente 1 tela]. Disponível em: http://psicologiasocialbrasileira.blogspot.com.br/2017/03/escrevendo-na-pos-graduacao.html
ANDREETTI, T. Processo de iniciar a escrita. In ROSO, A. Escrevendo na Pós-Graduação: “escritivas” nas ciências? [Internet]. Santa Maria: Blog PsicologiaSocialBrasileira, 17 de Março, 2017. [aproximadamente 1 tela]. Disponível em: http://psicologiasocialbrasileira.blogspot.com.br/2017/03/escrevendo-na-pos-graduacao.html
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Obrigada. Por um mundo mais solidário!