Minha amiga Jordana de Moraes me cutucou sobre uma mensagem que ela recebeu no Face outro dia. Jordana iniciou um bate papo em um grupo de Facebook destinado às obras de Charles Bukowski, escritor, nascido na Alemanha e naturalizado Americano. Autor de diversos poemas, entre eles Pássaro Azul e Um poema de amor (Veja este ao final deste post), que mechem com afetos e sexualidade. Uma pessoa, nomeada por ela "Homem A", tentou invisibilizá-la, como se ela fosse a feminista chata que é sexualmente insatisfeita.
Eu tenho pensado muito sobre qual é a nossa parte no processo de transformar esses tipos de discursos, que dominam há tempos... esta "acusação" é muito mais comum que se pensa. Estes discursos têm sido utilizados como argumento contra o feminismo e as feministas. São articulados para desmoralizar as mulheres que se pronunciam contra as injustiças. O objetivo: não perder seus privilégios, seu conforto da posição de masculinidade. Ora pois, estes discursos são bumerangues, pois voltam-se contra os próprios homens, que dormem na ilusão de que quem está a seu lado é feliz ao ser submetida ao seu desejo e não ao desejo de ambos.
A primeira reação de uma mulher que recebe tais discursos é indignação e talvez até de descrença. Como é possível um homem, nos dias de hoje, ainda falar assim?! A vontade é de rebater imediatamente. Muitas vezes o fiz. Agora, penso. PENSAR é o que tem movido minha vida, mais do que nunca nesses tempos de COVID.
Queria acreditar que são grandes as nossas chances de conseguir MUDAR O OUTRO. É preciso aceitar nossas limitações já que o outro só muda a partir de seu desejo. Por outro lado, UMA LUZ! Podemos, quiçá, fazer pequenas rupturas aí onde há uma deixa. Explico melhor.
Se o desejo é sempre da ordem do insabido e o insabido é fabricado SEMPRE a partir das relações e das diferenças, caberá um lugar para nossas falas contra-hegemônicas nestes pequenos discursos de homens A. No momento que ele adentra na nossa TL, algo já foi provocado nele. Uma outra palavra, visão de mundo, ele leu.
O que ele vai fazer com isso foge ao nosso controle. Mas gosto de imaginar que nossas contra-falas incomodam estes homens A. A outros, nem fazem cócegas. Por dentro eu apenas sorrio quando vejo que mais um homem A se detém, ainda que por alguns instantes, nos nossos escritos. Confesso que um pequeno gozo é disparado quando eles param para escrever ali. Já pensou na beleza de tudo isso?!
Não sinto culpa pelo gozo. Afinal todas temos limites, e mais que tudo, todas fazemos sentido, diria Bukowski. Apenas fico a observar os homens A entrarem na minha Time Line, brutalmente. Um dia, quem sabe, esses Homens A possam aprender que nossas gargantas, vestidos, bundas, orelhas, braços, cotovelos, olhos são o sustentam a nós todos.
Um poema de amor, por Charles Bukowski
Todas as mulheres
todos os beijos delas as
formas variadas como amam e
falam e carecem.
suas orelhas elas todas têm
orelhas e
gargantas e vestidos
e sapatos e
automóveis e ex-
maridos.
principalmente
as mulheres são muito
quentes elas me lembram a
torrada amanteigada com a manteiga
derretida
nela.
há uma aparência
no olho: elas foram
tomadas, foram
enganadas. não sei mesmo o que
fazer por
elas.
sou
um bom cozinheiro, um bom
ouvinte
mas nunca aprendi a
dançar — eu estava ocupado
com coisas maiores.
mas gostei das camas variadas
lá delas
fumar um cigarro
olhando pro teto. não fui nocivo nem
desonesto. só um
aprendiz.
sei que todas têm pés e cruzam
descalças pelo assoalho
enquanto observo suas tímidas bundas na
penumbra. sei que gostam de mim algumas até
me amam
mas eu amo só umas
poucas.
algumas me dão laranjas e pílulas de vitaminas;
outras falam mansamente da
infância e pais e
paisagens; algumas são quase
malucas mas nenhuma delas é
desprovida de sentido; algumas amam
bem, outras nem
tanto; as melhores no sexo nem sempre
são as melhores em
outras coisas; todas têm limites como eu tenho
limites e nos aprendemos
rapidamente.
todas as mulheres todas as
mulheres todos os
quartos de dormir
os tapetes as
fotos as
cortinas, tudo mais ou menos
como uma igreja só
raramente se ouve
uma risada.
essas orelhas esses
braços esses
cotovelos esses olhos
olhando, o afeto e a
carência me
sustentaram, me
sustentaram.
(Tradução: Jorge Wanderley)
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