Os aprendizados da maternidade em tempos de pandemia
por Maria Luiza Leal Pacheco (psicóloga, doutoranda UFSM, membro do grupo VIDAS e professora universitária)
Maternidade, palavra complexa com
muitos simbolismos, emana diferentes emoções e transformações tanto
internamente como na organização externa para receber um bebê. Na atualidade,
podemos pensar que a maternidade é uma escolha e não um destino natural, o
destino da feminilidade não é o mesmo da era vitoriana no qual a completude
estaria exclusivamente no conceber uma criança, como um destino para se tornar
mulher. Apesar de que, sim, a gravidez para mim, foi um momento de
empoderamento fálico[1] como diria o meu amigo
Freud, ali guardava sonhos, simbolismos, ali projetava imageticamente quem
seria aquele sujeitinho que estava sendo formado e desejado por nós.
Na atualidade, podemos escolher, desejar,
projetar, revisitar sonhos, reativar lembranças nessa linda e complexa aventura
que é maternar. No meu caso, muitas circunstâncias me fizeram adiar esse
desejo, questões pessoais e profissionais, mas quando disse para mim mesma,
chega de resistências, deixa vir, "se tiver que ser, vai ser". E
questionamentos racionais surgiram como: no meio do doutorado?. Dando aula?.
Atendendo na clínica?. Seria agora, ou em outra vida?. meu relógio biológico
não ia me esperar para sempre. E fico me questionando tem a hora certa para se
tornar mãe?.
A maternidade nos faz gravitar para
fora do nosso narcisismo, precisamos abrir mão de tantas dúvidas e incertezas,
buscando sair desse imaginário restritivo que o “ser produtiva” nos impõe, como
se a maternidade fosse o campo da impossibilidade, da restrição referente ao
sucesso profissional e as outras realizações pessoais. Essa visão reducionista
me deixa “incomodada” quando leio, escuto sobre maternidade, pois a coloca como
um impeditivo de realização, sendo que entendo que ela é um somatório de
possibilidades.
Para mim, a maternidade é a minha
transformação, meu filho me dá mais força, me faz me multiplicar em muitas de
mim mesma, posso assumir muitos papéis e em diferentes contextos com
competência e disposição, como mãe, esposa, dona de casa, professora, doutoranda,
psicóloga e qualquer outro papel que queira desempenhar, pois eu tenho desejo
de sobra para isso e muito desejo para encarar os desafios.
Hoje tudo mudou, meu olhar mudou, me
transformei em alguém mais sensível, cautelosa, reflexiva e mais que isso, mais
ativa. Hoje “não deixo para amanhã o que teoricamente deveria fazer hoje",
pois tenho buscado viver os momentos com as demandas que surgem. Trabalho muito
em mim que preciso priorizar as coisas, para não construir uma maternidade
pautada na culpa em função do tempo, do tempo para mim, minhas atividades e meu
filho. Ativo uma pró atividade que não reconhecia em mim, pois, muitas vezes,
me sentia mentalmente cansada e, hoje, mesmo com as horas de sono reduzidas, eu
me sinto disposta para a vida para essa nova função que o maternar exige e
também continuo sonhando, acreditando e almejando dias melhores. Sim, dias
melhores, pois meu guri nasceu no auge da pandemia, sabe aquele sonho de casa
cheia, paparico e tudo mais? Sonhava como seria as famílias (minha e do meu
marido) recebendo o nosso guri, a emoção de ver a carinha, pegar no colo, dar
um cheiro nas primeiras horas de vida, na maternidade, mesmo... Nada disso
aconteceu, nessa recepção éramos, eu, meu marido e toda equipe de saúde e as
pessoas importantes de nossa vida em sintonia através dos meios tecnológicos.
Foi triste?. Não, foi lindo, estávamos em muita sintonia, nós três.
Nosso filho nasceu lindo aos nossos
olhos, com saúde e muito amor, apesar de termos vividos segundos tensos no
parto, um capítulo a parte (que outra hora posso contar a vocês). O que importa
é que isolamos naquele momento todas as preocupações que o vírus (me refiro ao
COVID19) nos causava, deixamos essa ameaça lá fora, fora, do “nosso espaço
potencial", pois no nosso espaço existia todo o holding (segurar; sustentar), handling (manusear) que um dia
aprendi com outro amigo, o Winnicott, ali eu procurava ser uma mãe suficientemente boa para dar todo o
amor ao meu filho recém chegado nesse mundo.
Nessa experiência, eu aprendi a ser
mais forte, não reclamar de "coisas" banais, pois não tem o que
fazer, temos que lutar por nossa vida, e de um bebê que chega nesse mundo mais
caótico que o "normal". A pandemia tem muitas coisas ruins,
limitantes, mas, para mim, eu a vejo como um aprendizado. Aprendi estar em
sintonia com as pessoas que importam para mim, mesmo online. Com meu pequeno,
interajo o dobro, falo, canto, brinco, me entrego para essa relação, pois tenho
muito amor para ofertar e ele retribuiu, pois transmite um olhar apaixonado regado
de um sorriso lindo que interpretamos o amor e percebemos que valeu a pena
esperar, mesmo que seu nascimento foi no ano em que o mundo parou e disparou a
necessidade de mudanças. Mudanças internas e externas, este ano ficará marcado
como o ano que podemos nascer e nos reinventar, ou morrer e ficar estagnados,
basta decidirmos qual caminho seguir.
[1] Se prefere a sentir que tem um certo "poder", estar se sentido realizada, feliz com o estado gravídico.
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Obrigada. Por um mundo mais solidário!